Quinta à noite

Estávamos deitados de lado, um olhando para outro, conversando sobre devaneios da vida. Até aquele momento, já haviam passado exatamente cinco horas desde que eu havia chegado a sua casa. Como de costume, me recebia com um simples beijo e logo íamos fazer o jantar. Discutíamos sobre as notícias do dia, o que passava na TV e em nossas vidas. Com a refeição pronta, jantávamos e conversávamos mais. Era ótimo, sempre fluía.

Com o passar das horas, todos da casa se recolhiam para dormir. Decidi tomar um banho rápido e logo em seguida ele foi também. E aquele, então, era o momento em que estávamos deitados na cama conversando mais ainda.

Só de saber que ele estava ao meu lado meu interior já estremecia, era estranho mas era bom. Eu sentia que algo estava acontecendo mesmo com um simples olhar que ele me lançava enquanto cozinhava, por exemplo.

Ele me tocava nas mãos, nos braços, me pegou pela cintura e quando percebi já estava envolta em seus braços sentindo seu calor junto ao meu. Me beijou profundamente e disse:

– Lembra aquele dia em que eu te beijei pela primeira vez no sofá? – dei um riso e fiz que sim com a cabeça, então ele continuou – Você estava louca pra me beijar, não é?

Então eu retruquei:

– Não, senhor! Quem disse isso?

E ele rebateu:

– É claro que estava, você me beijou com vontade!

Não consegui conter o riso mas me mantive firme:

– Beijo se dá com vontade, não é?

Ele sorriu e me beijou com mais vontade ainda.

Quando percebi suas mãos já corriam loucamente pelo meu corpo e ele sussurrava ao meu ouvido o quanto me queria naquele momento. Eu já me deixava levar sem força alguma, me fazia sentir em êxtase, era a melhor sensação do mundo. Ele dizia ao meu ouvido o quanto queria me possuir com a boca e era uma pena que meus dias vermelhos ainda estivessem dando “Olá!”, mas não me poupava de carícias com as mãos.

Tirou minha roupa de cima e abocanhou meu seios, era maravilhoso. A forma como me olhava me fazia desejá-lo ainda mais. Logo me vi obrigada a fazer o que mais queria naquele momento: tê-lo em minha boca. Não demorei muito e lá estava eu com toda vontade abocanhando a obra prima de deus. Seus gemidos me deixavam cada vez mais excitada e desejando tê-lo dentro de mim.

Pouco depois o senti puxando-me pelos cabelos e me deitando na cama. Lançou minhas pernas em seu peito e beijou com ternura meus pés fazendo-me rir. Com delicadeza introduziu-se dentro de mim. Era maravilhoso, o sentia por inteiro, queria ser tomada totalmente, deixá-lo me fazer ir à lua e voltar sem tirar os pés do chão. Não me continha nos gemidos, era impossível com tamanho tesão que sentia. Ele me pegava forte pelas pernas, fazia pressão, me tomava por completa. Eu em troca apertava suas coxas com força e logo me dava conta de que segurava com umas das mãos seu rosto e o apertava até chegar ao seu pescoço. Ele me chamava de diversos nomes vulgares, me fazia me sentir a mulher mais suja do mundo, mas o prazer que me proporcionava era incomparável. Ele me engrandecia, me entorpecia totalmente por dentro me fazendo pedir mais, me fazendo implorar para não parar.

O ápice vinha e voltava várias vezes, era como um demônio dentro de mim, me fazendo resistir a satisfação total naquele momento. Isso não me fazia querer parar, queria ir até o fim. Ele já me conhecia bem o suficiente para saber que aquilo estava acontecendo, sabia que eu estava quase lá, mas que meu corpo não estava à meu favor. Ele queria ir junto à mim, implorei para que não esperasse, para que gozasse dentro de mim, era o meu presente. E ele me deu.

Depois daquilo não queria que ele saísse de dentro de mim, a sensação ainda era maravilhosa, queria ele ali para sempre. Brinquei entre risos e apertos em sua coxa para não sair, porém saiu. Deitou-se ao meu lado e me tocou com ternura. Adentrou meu corpo com seus dedos me fazendo ir à loucura, fazendo eu me contorcer horrivelmente. Era bom, era realmente bom, mas era a única forma como conseguia reagir. Então, ele voltou a me tocar suavemente, com aqueles movimentos circulares no local exato onde ele sabia que eu adorava. Era incrível, me contorço apenas de pensar naquela sensação vinda dentro de mim e explodindo em suas mãos. Pois sim, quando ela veio, me agarrei em seu corpo e não o larguei, ele me chupava o pescoço e os seios e ali já havia perdido por alguns segundos os sentidos, mas ainda reagia ao seu toque suave.

Começamos a nos beijar novamente, percebi que ainda havia fogo naquele homem. Ele ainda me tocava forte e com vontade, com certeza não queria parar. Quando me dei por conta já estava colocada de quatro feito uma cadela, que era o que ele queria e eu mais ainda. Encaixou-se em mim com tamanha grandeza que mal pude conter os gemidos, ajudei-o com vigor a entrar cada vez mais forte em mim. Me dava belos tapas na bunda e puxava meus cabelos me chamando de cachorra, ordinária, vagabunda… Pode parecer que não, mas era o que eu queria ouvir.

Já sentia uma grande sensibilidade em minha região baixa, mas não queria que aquilo terminasse, queria ir até o fim novamente. Ambos já estávamos um tanto ofegantes, ele foi com calma mas ainda vibrante e forte. Quando me dei por conta, estava deitada em seu peito, ouvindo o quanto eu era maravilhosa e o quanto ele me queria. Minha vontade era de adormecer naquele exato momento, nua ao seu lado, sentindo seu suor se misturar ao meu, mas continuei beijando-o suavemente e quando notei estávamos falando sobre política.

Enfim, o fim

Meu lema até então era me manter quieta, firme. Guardar tudo o que eu sentia dentro de uma caixa à sete chaves e jogá-la na imensidão do oceano, na intenção de que nenhum ser a encontrasse e muito menos a abrisse. Minha caixa seria pior do que a de Pandora. Por incrível que pareça eu posso guardar os piores sentimentos. E não, não me orgulho disso, mas não consigo mais negar o que sinto.

No banco do motorista ele dirigia velozmente. Tentei firmar meu olhar na rápida passagem da estrada na lateral, evitando assim olhá-lo. Já estava escuro o suficiente para não conseguir desvendar o que havia em meio às imensas árvores à beira daquela estrada. Meus pensamentos iam longe, mas conseguia ver seu olhar me analisar a cada segundo que parecia durar uma eternidade. Eu tinha vontade de chorar, mas não conseguia. Me sentia seca por dentro, em todos os sentidos. Tinha vontade de firmar meu silêncio permanentemente, mas ao mesmo tempo tinha vontade de falar, de gritar, de jogar em cima dele tudo o que eu estava sentindo, tudo o que eu guardei durante aqueles longos anos.

Senti sua mão acariciar minha nuca, meu corpo respondeu se arrepiando inteiro, meu interior gritou ferozmente. Minha vontade era de responder à sua carícia, esquecer tudo aquilo e tentar recomeçar, mais uma vez. Mas eu não conseguia. Meu limite era aquele, as barreiras já haviam sido destruídas, mesmo assim meu amor continuava intacto. Isso fazia com que eu me odiasse. Era ele. Era ele quem eu desejava ardentemente todos os dias, todas as noites. Seu cheiro me envolvia como uma droga entorpecente, era impossível me controlar, mas eu precisava. Tudo o que eu queria é que aquele dia terminasse. Queria fechar os olhos e esquecer, dormir profundamente e não sonhar com nada. Mas era impossível me concentrar, seus olhos continuavam me seguindo, me contemplando, dizendo para que eu respondesse ao seu chamado, que pudesse perdoá-lo de novo.

Nós possuíamos um combinado e ele o quebrou pela milésima vez. Não aguentava mais voltar atrás, isso fazia eu me sentir fraca e totalmente manipulável. Eu entendo que o que fazia era mais forte do que sua própria vontade, mas pra mim já bastava. Apesar de tudo, eu precisava dele, precisava mais do que qualquer coisa. Era a minha base, meu alicerce. A voz que eu precisava ouvir para acalmar meu coração, para fazer minha respiração voltar ao normal e a paz reinar novamente.

A cada quilômetro que avançávamos era como se estivéssemos mais e mais longe. A estrada já estava totalmente vazia e passava apenas das sete da noite. Me sentei corretamente e fixei meu olhar nas faixas da estrada, mesmo assim, ainda via seus olhos correr meu corpo. Senti sua mão tocar minha coxa. Não fiz nada, me mantive parada, mal conseguia piscar. Via sua boca se mexendo mas não conseguia ouvir nada. Seus olhos se encheram d’água e as lágrimas caíam como uma cachoeira sem fim. Não conseguia sentir nada. Nada. Negava escutar o que meu coração dizia para fazer novamente. Bloqueei meus sentimentos bons, resgatei a caixa dos sentimentos ruins e os abri dentro de mim. Se olhasse em seus olhos tinha certeza de que desmoronaria sem pensar duas vezes, e não era isso o que eu queria.

Eu o amava. Na verdade ainda o amo, preferi guardar esse amor por tempo indeterminado. Preferi acabar com isso de uma vez. Esse dia preferi não chegar em casa e ouvir suas lamentações. Preferi tirar sua atenção e fazê-lo perder a direção. Preferi pôr um ponto final e mesmo que estivesse errada, já fiz. Acabou.

À mon père

Lembra quando eu escrevi sobre expectativas? Sobre as expectativas que eu tinha em você? Claro, você não se lembra, nem nunca vai lembrar.

Quando as escrevi, era apenas a menina dos seus olhos, inocente, inofensiva, sem meios de lhe persuadir e lhe encarar. Quando as escrevi, era todo o contrário do que você pensava. Tudo era diferente e agora tudo se tornou igual.

Naquela época, eu desacreditei em você, mas repensei, vi que poderia estar errada. Então disse a mim mesma que estava errada, que julguei errado. E agora vejo que estava certa o tempo todo. Mesmo assim, acreditei em você, criei expectativas, achei que tudo iria ser diferente. Confesso que por um tempo foi, mas depois as coisas voltaram ao seu eixo “anormal”, se é que posso chamar assim.

Até então, você era a imagem mais ilustre que eu tinha na minha vida, a imagem na qual eu me espelhava, me inspirava, e hoje, tudo se resume à somente uma imagem que eu passo ao lado e ignoro como se nunca houvesse importância pra mim.

Não lhe farei perguntas, não exigirei respostas. Não me sinto neste direito, me sinto no direito de lhe colocar de lado, mas de lhe respeitar ainda assim, porém não lhe colocarei no pedestal de sempre.

Eu sinto muito, não por mim, por você.

Consinta

Queria acordar um dia e não lembrar de você. Queria que esse dia existisse todos os dias como se eu nunca tivesse te conhecido. Queria, na verdade, que o dia em que eu te conheci nunca tivesse existido. Seria melhor, não só pra mim, também seria pra você.

Todas aquelas brigas, desentendimentos, todos os momentos bons por melhores que fossem, nunca existiriam mesmo, então não nos fariam falta, não nos fariam sofrer.

Mas, calma… eu estou falando de mim, de você ou de nós?

Quem acabou machucada fui eu. Eu sofri sozinha, calada, esperando o dia que talvez você voltasse como uma nova pessoa. Uma pena isso nunca ter acontecido. Não se gabe, mas eu acreditava muito em você. Depositei todas as fichas de confiança que eu tinha em você, crendo que você iria crescer, iria conseguir andar ao meu lado e não diria mais que eu era melhor que você ou que não servia pra mim.

Hoje você diz palavras da boca pra fora. Sente minha falta e volta como se nunca tivesse me deixado. Tenta outra vida com novas pessoas mas não consegue, então volta novamente. Você sabe ou imagina o quanto eu me reservei todo esse tempo somente pra você? Consegue imaginar o quanto meus pensamentos foram longe desejando que um dia você voltasse e tudo seria novo e diferente?

Mas você volta quando eu menos espero, quando eu menos me sinto preparada. Faz meu corpo arder em chamas, meu cérebro se recusa a funcionar, meu coração sai praticamente me guiando sozinho como um cego em meio à um tiroteio.

Você sabe tudo o que fez pra mim e não por mim?

Você consegue fazer isso sozinho?

Consegue seguir sozinho?

Responda!

Você pode lutar por algo que quer?

Você quer ser conveniente a ponto de ser egoísta e deixar como tudo está por conforto próprio?

Como ainda consegue deitar a cabeça no travesseiro e dormir?

Como consegue mentir?

Como consegue viver?

Como?

Me responda!

Responda!

Eu não acreditava mais no amor, não acreditava mais em sentimentos recíprocos.

Por que me fez acreditar novamente?

Por que me fez sofrer?

Por quê?

Não responda, cale e consinta.

Pseudo-sonho

Esta manhã eu acordei e estranhamente passei a mão no lado vazio da cama, como se achasse que alguém a pouco estava ali, ou esteve por muito tempo e se foi. Junto ao travesseiro amassado havia um bilhete que dizia: “Me espere, eu voltarei quando você menos esperar”, por um momento – quero dizer, na verdade, por todo momento – achei que estava sonhando, tentei me lembrar do que havia acontecido na noite passada, talvez nas várias noites passadas, mas não conseguia me lembrar de nada, a sonolência me dominava totalmente.

Peguei no sono de novo, não tinha problema dormir até tarde, afinal, era domingo.

Acordei algumas horas depois, pelo menos era o que indicava meu despertador, com a sensação de ter sonhado com algo estranho, repeti o mesmo que tinha feito antes, mas não havia bilhete e eu ainda conseguia sentir o calor e o cheiro que o lado vazio da cama me proporcionava. Era irresistível não ficar ali, sentia que poderia ficar por horas e faria de tudo para o aroma continuar. Mas eu precisava levantar e caminhar um pouco, a janela do quinto andar, que me pertencia, indicava um sol quente e agradável em um dia gelado.

Fui até o banheiro, segui minha rotina matinal normalmente, até que cheguei à cozinha e me deparei com um homem alto de cabelos negros e encaracolados, a luz que refletia em seus cabelos reluzia de forma tão bela que me fez olhar por alguns segundos que pareciam na verdade longos minutos. Ao notar minha presença, o tal homem alto me olhou como se soubesse a quantidade exata de pintas que eu possuía no corpo, como se soubesse que aquele olhar iria me paralisar por completa e me fazer esquecer que havia um mundo ao meu redor. Imediatamente ao fundo comecei a ouvir sons repetitivos de um celular em modo vibracall, fechei os olhos e no momento em que os abri eu estava em minha cama com um bilhete na mão e o celular vibrando no criado-mudo. Atendi de imediato e ouvi: “Já estou voltando pra casa, meu amor”.

Naquele exato momento percebi que o sonho não foi o que aconteceu primeiro, foi o que aconteceu em segundo caso, e que realmente havia um homem alto de cabelos negros e encaracolados que me pedia para esperar.

De repente

Todos os dias, desde que fui morar sozinha, eram iguais. Em todos os sentidos iguais.

Desde os 15 anos dizia aos meus pais que quando completasse os tão queridos 18 iria embora de casa, moraria em uma república feminina na capital e faria qualquer curso que envolvesse corte e costura. Confesso que nunca fui chegada à moda, mas gostava de fazer minhas próprias roupas e das minhas amigas.

Eis que fiz 18 anos, 19, 20, 21, e hoje 22 anos. Terminei a minha graduação em moda, trabalho em um ateliê na parte nobre da cidade desenhando e modelando. Consegui fazer tudo o que queria, mas sentia que ainda faltava algo. E nesse dia em que completei 22 anos acordei espontaneamente cedo e um pouco assustada por isso. Decidi que deveria ir caminhar, apesar da cidade não ser uma grande metrópole, ainda era uma cidade grande, mesmo assim, todos os dias ao caminho do trabalho via pessoas caminhando, passeando com seus animais de estimação e levando crianças para brincar nos playgrounds ao ar livre. Sempre me perguntei quando teria tempo, e principalmente coragem, para fazer tudo aquilo. Mas nesse dia eu tive.

Não me preocupei com o que estava vestindo, peguei um moletom, um tênis e fui. Andei do edifício onde moro até o parque em alguns minutos, dei algumas voltas, espalhei alguns “bom dia” e me deparei com um banco em frente ao pequeno lago do parque. Estava um pouco cansada, até porque, não estava acostumada com uma rotina distinta. Senti o sol tocar o meu rosto e minhas mãos, estava delicioso. Em um momento no qual não percebi, um rapaz havia sentado ao meu lado e dizia:

– Nunca vi você por aqui, e garanto que com essa roupa não iria esquecê-la.

Demorei um pouco pra entender o que ele quis dizer, e então reparei que estava parecendo uma melancia: a blusa do moletom era vermelha, a calça era verde e o tênis preto, estava realmente parecendo uma melancia.

– Não costumo fazer isso – disse a ele um pouco encabulada -, pelo visto você vem aqui todos os dias.

– Sim – ele respondeu entre um sorriso.

Ficamos um tempo em silêncio e quando ele estava prestes a se levantar disse:

– Você deveria fazer isso mais vezes, de verdade.

E eu só consegui responder:

– Sim, deveria mesmo.

Vi ele se distanciando e achei que era hora de voltar para casa, com certeza ele também foi pra sua e voltamos a nossa rotina normal, apesar de que aquela rotina parecia já ser a normal dele.

Meu dia até que foi tranqüilo: alguns – vários – parabéns, telefonemas, um bolo, algumas velas e velhos amigos.

Decidi fazer o mesmo no dia seguinte: levantei cedo, vesti um moletom – mas desta vez escolhi bem – e fui. Fiz o mesmo percurso e sentei no mesmo banco, parecia coisa de filme, pois quando menos esperei “ele” estava lá novamente:

– Murilo e você? – me perguntou como se fosse um “oi”.

– Melissa.

– Você gosta de torradas?

Achei engraçado e acabei rindo baixo.

– O que foi? Você não gosta de torradas? – Murilo perguntou-me.

– Adoro, só achei engraçada a forma que você perguntou, tão de repente.

Agradeço a Deus por aquele dia ser um sábado, pois ficamos horas conversando naquele banco em frente ao lago, sentindo o sol ficar mais quente com o passar do tempo. Parece engraçado, mas até hoje ele me chama de “menina melancia que adora torradas” e eu só consigo chamá-lo de “de repente”, pois foi de repente que ele apareceu na minha vida, foi de repente que eu decidi, justamente no meu aniversário, sair para caminhar, de repente ele me disse “oi” de uma forma diferente e de repente ele diz o quanto quer estar na minha vida.

Talvez amanhã

Quando o vazio me invade é certeiro, eu preciso escrever. Eu preciso atribuir algo a mim mesma, mesmo que não seja sobre mim ou sobre quem estiver à minha volta. Mesmo que seja algo fictício, sem objetivo ou sentido algum, eu já consigo me sentir melhor.

É domingo, as horas passam lentamente desde que acordei – exatamente ao meio-dia – e eu continuo aqui deitada em minha cama em torno dos vários travesseiros. Meu cabelo ainda está despenteado, ainda estou de pijama, começo a sentir uma imensa vontade de ir ao banheiro – fui apenas quando acordei – mas não tenho forças pra me levantar. Eu quero levantar, vestir algo confortável, pegar meu caderninho e sair pelas ruas da cidade observando as aleatoriedades rotineiras que ninguém percebe. Eu quero escrever sobre elas sem ter ideia do que escreverei amanhã.

Hoje, desde que acordei, quis fazer tantas coisas, mas não consegui. Repetir que não consigo não me fará levantar daqui, mas dizer o contrário também não irá adiantar. Não sou alguém negativa, mas hoje, justamente hoje, eu não consigo. Na verdade, eu só quero ficar aqui, eu só quero me esconder, eu só quero adormecer novamente.

Dezessete

Lembro que era quase meia-noite, e que até o último minuto daquele dia eu ainda teria dezessete anos e seria lembrado por todos como o “tímido Arthur”. Meus amigos queriam comemorar com antecedência, mas recusei, apenas aceitei sair para beber um pouco como uma deixa depois da escola.

Naquela noite, peguei escondido o carro dos meus pais e fui aos poucos pegando cada um dos meus quatro amigos – Alice, Diogo, Marília e Leonardo -, todos já pareciam bêbados, menos eu. Nos últimos meses tudo havia dado errado, mas tentei relevar, só não aceitava ter perdido a garota que mais amava para um riquinho que morava do outro lado da cidade.

Não sabíamos ao certo para onde ir, Diogo teve a idéia de irmos para a fazenda de seu pai, ficava apenas a alguns quilômetros da cidade onde morávamos. Passamos em uma conveniência e compramos algumas bebidas, Alice tinha conseguido algumas pílulas – sim, drogas – em algum lugar com seus amigos que chamávamos de “sinistros”, e realmente eram sinistros.

Completei o tanque de gasolina e pegamos estrada, estavam todos extremamente bêbados e drogados, tentei me manter sóbrio por estar dirigindo, mas era semi-impossível. A estrada era muito escura com curvas perigosas, tentei ser cauteloso, mas no momento em que desviei a atenção para dar um gole na tequila apenas vi um farol forte de caminhão, o som berrante de uma buzina e o grito de desespero de Marília.

Agora estamos aqui, sentados em uma espécie de montanha sem dizer nada um para o outro, Leo foi o único que se atreveu a perguntar se estávamos vivos, mas não, estávamos todos mortos em um local desconhecido e deslumbrantemente lindo.

O que lhe contei foi o que consegui lembrar, não sei se a morte é assim, mas comigo e meus amigos está sendo. Uma pena, não tive a oportunidade de completar dezoito anos a tempo.